Génova já foi a cidade mais rica do mundo. Foi lá que os primeiros bancos foram criados e neles entrava muita da riqueza proveniente do mundo inteiro. Génova é também o título de um filme de Michael Winterbottom (A Mighty Heart) que eu vi hoje.
O filme peca por ser quase todo filmado com handycam em movimentos tão rápidos e confusos que fazem corar de vergonha o The Blair Witch Project. A mim, pôs-me quase verde de náuseas. Francamente, não gosto da técnica. É uma técnica que imprime uma emoção, é certo, mas que se prende à forma e não ao conteúdo. Para mim, o argumento, quando é bom, basta para, aliado a planos genialmente orquestrados (e quietinhos), despertar a maior das ansiedades.
No entanto, a história é boa, o elenco é bom (e bonito, veja-se só a Kelly, na fotografia ao lado), há mensagens que nos são implicitamente dadas de presente como conselhos para a vida e há picos de tensão dignos de um filme de suspense. Mas este é um drama sobre a família, os elementos, o que os separa e o que os une, narrado com extrema contenção e sensibilidade, visível nos desempenhos exemplares de Colin Firth (Joe, o pai), Willa Holland (Kelly, a filha mais velha) e Perla Haney-Jardine (Mary, a filha mais nova). Os três mudam-se de Chicago para Génova depois da morte da mãe num acidente de viação e tentam ultrapassar o choque enquanto atravessam mudanças nas suas vidas.
Este nome, à partida, não diz nada, creio, à maioria das pessoas. A mim, não dizia. Até que, hoje, fui à Cinemateca ver "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" (Milos Forman, 1975) - bom filme e não me vou entregar, desta vez, ao elogio porque tudo ou quase tudo de certeza já foi dito. O mais engraçado é que me lembrava de um dos actores, jovem nesta película, como sendo (e pensei nisto durante grande parte da projecção) ou o John Malkovich ou o Jeremy Irons.
Tinha a certeza que o conhecia bem. A minha dificuldade era reconhecer os traços característicos do rosto que estava a ver noutro mais velho da minha memória recente. Tarefa impossível, pois, porque não é nem um nem outro e só o soube graças à preciosa ajuda do imdb. É Christopher Lloyd, o fantástico Dr. Emmett Brown da série Back to the Future (anos 80).
Fiquei impressionado com a rapidez com que envelheceu em apenas dez anos (o primeiro episódio da saga data de 1985 e, que eu perceba, o actor não está "mais velho" só por causa do trabalho de caracterização). Outra coisa que me espantou foi ficar consciente de como era um bom actor. O seu papel ao lado de Jack Nicholson é tão bom como o deste e, habituados pelo sistema de prémios da Academia e afins a não reconhecer o mérito dos actores em filmes ditos "menores", só agora percebi que o sucesso de Regresso ao Futuro apoia-se muito na magnífica interpretação caricatural do cientista maluco.
E ainda mais uma admiração: a folha da Cinemateca com a recensão do filme que passou hoje não o inclui no rol de intérpretes!
Eu tive o enorme prazer de ver o oscarizado (1984) documentário sobre a vida política de Harvey Milk na sessão especial e única que aconteceu ontem no Cinema São Jorge graças à colaboração entre o Queer Fest e a Midas (que vai lançar no mercado o DVD no dia 21).
Gostei muito do recente filme Milk, de Gus Van Sant, mas ao tocar na realidade e nas pessoas reais que testemunharam e participaram naqueles tempos, tocou-me mais o documentário, que começa assim:
Há precisamente uma semana fui ver o filme Choke (Asfixia) do realizador Clark Gregg. Era um trabalho classificado como indie, adaptado de um romance do mesmo autor de Fight Club e bem recebido no reputado Festival de Sundance. Além disso, li uma crítica no imdb que aguçou o apetite. Portanto, parecia haver todos os pré-requisitos para sair do cinema satisfeito. Engano! Fora os bons desempenhos das actrizes Anjelica Huston e Kelly Macdonald, ver o filme foi uma grande decepção. A história é fraca e dispersa e substima as personagens masculinas, viciadas em sexo, de forma que mais parecem protagonistas de um filme para adolescentes na puberdade. A melhor cena do actor principal, Sam Rockwell, é a da asfixia e embora faça o título não passa de um acessório no enredo.
Para compensar, na quarta-feira fui ver um blockbuster convencional que, pasme-se, é bem mais do que isso. Ou, pelo menos, está muito bem feito. Adorei ver Duplicity, de Tony Gilroy, porque foi divertido do princípio ao fim graças a uma história de espionagem comercial levada ao limite e a um humor providenciado pela qualidade dos diálogos e do elenco. Este, é preciso dizer, é de luxo: Julia Roberts, Clive Owen, Paul Giamatti, Tom Wilkinson, etc. Todos eles, mesmo os secundários, estão impecáveis mas sobretudo o par romântico é indiscutivelmente atraente e transmite uma química entre eles difícil de atingir na tela. Julia Roberts, mais madura mais bela, ilumina a sala e Clive Owen, mais apelativo em Closer do que aqui, faz bem o papel de macho latino que julga que controla a situação mas acaba sempre por seguir os passos e ser dominado pelo temperamento da amante. Cinco estrelas para o filme e também para os créditos de abertura (uma briga em slowmotion entre dois grandes da indústria dermatológica).
Ontem, sábado, vi outro filme realmente blockbuster que, mesmo assim, é melhor do que Choke. Foi He's Just Not That Into You, de Ken Kwapis, com uma longa lista de actores, uns mais conhecidos do que outros, cuja representação está nivelada entre todos numa qualidade acima da média do género Comédia romântica. Tem um argumento linear e conciso e, apesar de todos os chavões que não faltaram, revelou-se um bom entretenimento, com ideias inteligentes e humor sem ser idiota, para ver bem acompanhado.
Na segunda-feira passada, fui matar saudades da Cinemateca e de ver um bom filme a preto e branco, e o que escolhi para ver foi The Black Cat (Magia Negra, em português) de um realizador de que nunca tinha ouvido falar: Edgar G. Ulmer. O que me levou a ver este filme foi o elenco composto por dois actores principais famosos no género de terror. Como já souberam pelo título desta posta que estou a mandar, são eles Boris Karloff e Bela Lugosi.
Com efeito, os seus desempenhos fazem o filme praticamente todo, sem tirar mérito aos restantes créditos. Entre os dois, é sem dúvida Karloff o que mais bem se destaca, em parte porque a sua personagem é muito mais interessante, sendo o anfitrião numa casa que é "uma obra-prima de construção sobre uma obra-prima de destruição".
Além disso, trata-se de uma realização muito boa, com planos muito bonitos, cenários e colocações muito bem orquestrados, enfim, como disse atrás, tudo elaborado em conjunto de forma a criar uma peça inteira de arte cinematográfica.
Na folha que a Cinemateca distribui com a projecção, lê-se: "The Black Cat pode considerar-se como o primeiro filme de «horror psicológico»". Realmente, se ao longo do filme há vários momentos que calmamente, um a um, aumentam o ambiente de medo, este atinge o seu máximo já perto do final na cena de tortura. Eu, que já pensava que ia sair da sala sem ter tido qualquer reacção, dei por mim a encolher-me na cadeira e a pôr a garrafa de água à frente do nariz.
Muito bela também, é a primeira cena de Karloff, a levantar-se da cama (de onde apenas se via, do "nosso lado", uma mulher de longos cabelos louros deitada). Levanta-se direito e lentamente como saem os mortos de um caixão e o seu perfil negro é recortado pelo fundo claro das suas paredes modernas.
O video que se segue não mostra uma cena como eu costumo e prefiro fazer por dois motivos. Primeiro, não há quase registos nenhuns da obra e o que há não me agradou suficientemente. Segundo, apesar de as imagens servirem uma canção fora do contexto com uma remistura apropriada, esta está muito bem feita e revela parte do que de melhor se pode ver em The Black Cat.
Se eu deixasse uma criança morrer esquecida dentro de um carro durante três horas ou se eu fosse directa ou indirectamente culpado da morte de um bebé, não sei como viveria depois.
Tenho sobrinhos pequenos, o mais novo tem cinco meses e ainda não sonhei com a morte dele. Mas é muito provável que isso aconteça como acontece com as pessoas de quem gosto mais. São pequenos pesadelos que tenho em determinada fase de uma relação com alguém muito especial. A minha sobrinha mais velha tem seis anos e a fase dos sonhos maus com ela já passou. Deve ser porque já é suficientemente grande para se defender da irresponsabilidade dos adultos.
Os maus tratos e até a morte de bébés por causas perfeitamente evitáveis relembram que cuidar de crianças é um trabalho da maior importância e exige um zelo e uma vigilância permanentes. Como é que alguém se pode esquecer de um ser humano que é totalmente dependente dos outros?
A morte dos meus sobrinhos é um dos meus maiores medos seja de que maneira for. Diz-se que sonhar com a morte afasta-a. Era bom que assim fosse mas não sou supersticioso. Pelo contrário, a efemeridade da vida, da felicidade, dos sorrisos e do próprio tempo levam-me conscientemente a querer estar mais vezes com as pessoas que amo. Isso tem moldado a minha forma de pensar e as minhas decisões ultimamente.
A propósito de traumas com a morte de uma criança e das vidas para sempre destroçadas dentro de uma família que é como um puzzle irremediavelmente incompleto, o filme O Casamento de Rachel faz um retrato. Além de ser um excelente trabalho de realização de Jonathan Demme, conta como pode ser a vida depois da morte do ponto de vista de dentro da família. Claro que cada família é diferente e daria um filme diferente na mesma situação e, por isso, dou os parabéns à argumentista Jenny Lumet por ter chegado ao possível denominador comum destas pessoas frágeis, que se deixam partir facilmente a si mesmas de tempos a tempos e voltam a recompor-se por cima dos cacos espalhados pela casa. É uma resistência sem limites aquela que leva a gente a continuar.
Mamma Roma é um filme neo-realista italiano do realizador Pier Paolo Pasolini com a actriz Ana Magnani. O realizador, confesso que conheço mal. Já Magnani foi uma feliz descoberta do ano passado (para mim, claro). Vi-a em filmes como Roma, Cidade Aberta, Bellissima e A Comédia e a Vida e deu para perceber que se tratava de uma grande actriz. Aqui, não é excepção e o apetite também ficou aguçado em relação a Pasolini. Gosto muito de cinema italiano antigo. É, de facto, uma marca exclusiva no mundo e quanto mais a conheço mais gosto dela.
Em Mamma Roma, o tema das dificuldades económicas no pós-guerra repete-se, bem como o foco sobre as transformações que operam nas relações humanas tanto boas como más (a generosidade e a solidariedade, por um lado, a exploração e o oportunismo, por outro). Aqui, também há uma separação consciente e crítica entre o campo e a cidade. A senhora Roma (personagem principal interpretada por Magnani) não se cansa de classificar o campo como terra de incultos, que, no entanto, cultivam a terra e subsistem e sustentam o resto do país desse modo, ao passo que a cidade representa, para ela, um futuro melhor, se não para si, que é obrigada a prostituir-se para ganhar o tal futuro, pelo menos para o filho.
É nesta relação filial que o filme se baseia proporcionando uma visão romântica do papel de mãe que "até se crucificava pelo bem do filho" e do pobre rapaz frágil e sozinho que "toda a vida procurou alguém que o orientasse". Mas o que mais me agradou foram os geniais diálogos da Mamma Roma indo embora da rua à noite trocando de interlocutores à margem (aqui a palavra tem duplo sentido porque a cena afasta-se do leitmotiv do filme e vai para o mundo marginalizado da prostituição).
Num deles, a mãe cansada de ser magnânima sem retorno apresenta uma franca teoria da hereditariedade da pobreza e da delinquência com base na sua própria experiência. O primeiro marido foi preso no dia do casamento porque o pai era ladrão e a mãe um estafermo, e os pais da mãe e os pais do pai também já o eram e, assim, o modo de vida era fatal e não havia volta a dar-lhe.
Como no melhor do neo-realismo italiano, vemos em cerca de uma hora e meia de filme o desenrolar de uma esperança que teima em viver e animar os miseráveis até acabar por morrer e levar toda a vida com ela. De um modo filmado e interpretado directo. Com a nova Roma, a da reconstrução, em fundo.
Vi A Valsa com Bashir, do israelita Ari Folman, na última Festa do Cinema Francês e gostei apesar de ter sido num dia de semana e eu estar um bocado cansado. Mesmo assim, a qualidade da animação deste filme é tão boa, juntamente com uma história de guerra diferente daquelas do holocausto nazi a que estamos mais que habituados, que desperta os sentidos para uma experiência num território completamente novo. Talvez não seja assim tão novo se considerarmos a obra-prima da iraniana Marjane Satrapi - Persepolis, uma longa de animação brilhante embora negra até à medula, abriu-me uma porta para o Médio Oriente que eu não conhecia tão bem. Uma zona quente de sentimentos felizes, memórias tristes e empatia humana. Estreado na passada quinta-feira, recomendo que o filme seja visto num dia bem descansado porque A Valsa com Bashir é em grande parte uma introspecção silenciosa dos intervenientes (realizador, interlocutores do realizador e espectadores) pontilhada apenas a espaços largos por sonoros bombardeamentos, tiroteios, matilhas raivosas e pop dos anos 1980. Vale a pena ver pelo documento histórico que representa, pela viagem ao interior de si próprio que proporciona e pelo excelente desenho que embeleza a narrativa no detalhe dos planos lentos e se aproxima da imagem real na cuidada reconstituição das cenas de acção.
-Como foi que me reconheceu? -Você é a pessoa mais triste na sala.