No outro dia, no Baile de Máscaras da Antena2 (17h-19h), ouvi uma antiga locutora dessa mesma estação (desta feita entrevistada pela actual locutora Ana Ferreira) dizer que é fácil gostar da música clássica porque ela estimula a imaginação, leva à criação de cenários e situações vividas na mente de quem a ouve.
Pois bem, Sra. Dona Maria Júlia Guerra, dou-lhe toda a razão porque eu, que só recentemente fui "chamado" para a música clássica, já passei por isso de forma muito intensa duas vezes. E nestas duas vezes, foi durante apresentações ao vivo, o que me leva a crer que esta circunstância aumenta a probabilidade de "viajar".
É certo que eu sou muito dado a fazer filmes. Não é brincadeira. Realizo mesmo cenas avulsas na minha cabeça quando estou em casa, a trabalhar, no trânsito... Estou sempre atrás de uma câmara invisível filmando pessoas e lugares para lá da realidade tangível.
Ora, na primeira vez que isso me aconteceu com a música, eu já tinha mais ou menos uma ideia de enredo para um filme (a sério) que pretendia escrever. No auditório pequeno da Fundação Calouste Gulbenkian, a ideia expandiu-se nitidamente enquanto observava o tornozelo da pianista em serviço.
Hoje, no foyer do Teatro Nacional de São Carlos, ao mesmo tempo que ouvi Mozart e Schumann, uma catadupa de ideias novas quase me fez pular de entusiasmo como era grande a vontade de sair dali e apontar logo num papel o que acabara de imaginar. Aguentei até ao fim (quem é que se atreve a sair durante o recital?) e, mal entrei no meu carro, escrevi, escrevi e escrevi sobre todo o programa do Ciclo de Música de Câmara para Ensembles.
O que é que eu escrevi? Cenas...
Segundo o que está no youtube, este é o estilo original do par Al Minns & Leon James dançando o Charleston. Foi filmado durante a década de 50 no Savoy Ballroom em Harlem.
Charleston é o nome de uma composição do jazzista James Price Johnson incluída na peça de teatro da mesma autoria chamada Runnin' Wild (1923). O seu sucesso na Broadway foi tal que lançou a moda desta dança em todo o mundo. Eram os loucos anos 20. Ah, como eu gostava de os ter vivido pelo menos um bocadinho! Que alegria! Vejam e aprendam os passos no próximo video e divirtam-se. Vamos dançar o Charleston!
"Por isso, se te disser que sinto frio,
que a água da chaleira
evaporou,
mas que de vez em quando sempre,
às vezes,
o embaraço do vapor em que ela se dissolve
deixa uma gota mais aflita
no desamparo
em que me acolhes,
lembra-te da comoção
que me embarga a voz, quando, após uma longa
ausência, apareces, para e de cada vez
que tal acontece, te ires
definitivamente
embora."
Não Me Morras, Eduarda Chiote, &etc, 2004
Com uma fotografia de Garçon, Novembro/2008
Este nome, à partida, não diz nada, creio, à maioria das pessoas. A mim, não dizia. Até que, hoje, fui à Cinemateca ver "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" (Milos Forman, 1975) - bom filme e não me vou entregar, desta vez, ao elogio porque tudo ou quase tudo de certeza já foi dito. O mais engraçado é que me lembrava de um dos actores, jovem nesta película, como sendo (e pensei nisto durante grande parte da projecção) ou o John Malkovich ou o Jeremy Irons.
Tinha a certeza que o conhecia bem. A minha dificuldade era reconhecer os traços característicos do rosto que estava a ver noutro mais velho da minha memória recente. Tarefa impossível, pois, porque não é nem um nem outro e só o soube graças à preciosa ajuda do imdb. É Christopher Lloyd, o fantástico Dr. Emmett Brown da série Back to the Future (anos 80).
Fiquei impressionado com a rapidez com que envelheceu em apenas dez anos (o primeiro episódio da saga data de 1985 e, que eu perceba, o actor não está "mais velho" só por causa do trabalho de caracterização). Outra coisa que me espantou foi ficar consciente de como era um bom actor. O seu papel ao lado de Jack Nicholson é tão bom como o deste e, habituados pelo sistema de prémios da Academia e afins a não reconhecer o mérito dos actores em filmes ditos "menores", só agora percebi que o sucesso de Regresso ao Futuro apoia-se muito na magnífica interpretação caricatural do cientista maluco.
E ainda mais uma admiração: a folha da Cinemateca com a recensão do filme que passou hoje não o inclui no rol de intérpretes!
"Carolina Shout" pode considerar-se o manifesto estético de James Price Johnson (New Brunswick, New Jersey 1894 - Nova Iorque 1955), o jazzista de Nova Iorque que primeiro introduziu no ragtime a improvisação, transformando-o em jazz.
As suas primeiras obras-primas fizeram dele o líder da escola pianística de Harlem, o bairro de imigrantes de Nova Iorque que se tornou famoso pela sua actividade musical nocturna.
Foi também um dos maiores artistas de pianola, um piano que permite a execução automática de música através de um rolo de papel perfurado.
O video que se segue é a conhecida gravação de "Carolina Shout" (QRS Records, 1921) tocada pelo próprio compositor.
"Somewhere in Des Moines or San Antonio
there is a young gay person
who all the sudden realizes
that he or she is gay;
knows that if their parents find out
they will be tossed out of the house,
their classmates will taunt the child,
and the Anita Bryant's and John Briggs'
are doing their part on TV.
And that child has several options:
staying in the closet, and suicide.
And then one day
that child might open the paper
that says "Homosexual elected in San Francisco"
and there are two new options:
the option is to go to California,
or stay in San Antonio and fight.
Two days after I was elected
I got a phone call
and the voice was quite young.
It was from Altoona, Pennsylvania.
And the person said
"Thanks".
And you've got to elect gay people,
so that thousand
upon thousands like that child know that
there is hope for a better world;
there is hope for a better tomorrow.
Without hope,
not only gays,
but those who are blacks,
the Asians,
the disabled,
the seniors,
the us's:
without hope the us's give up.
I know that you can't live on hope alone,
but without it, life is not worth living.
And you, and you, and you, and you
have got to give them hope."
-Harvey Milk, 1978 (o ano em que eu nasci!)
Eu tive o enorme prazer de ver o oscarizado (1984) documentário sobre a vida política de Harvey Milk na sessão especial e única que aconteceu ontem no Cinema São Jorge graças à colaboração entre o Queer Fest e a Midas (que vai lançar no mercado o DVD no dia 21).
Gostei muito do recente filme Milk, de Gus Van Sant, mas ao tocar na realidade e nas pessoas reais que testemunharam e participaram naqueles tempos, tocou-me mais o documentário, que começa assim:
A par com Jelly Roll Morton, Nova Orleães produziu uma outra figura de seguro génio nos inícios do século XX: Joe "King" Oliver, mestre do jazz colectivo (Abend, Louisiana 1885 - Savannah, Georgia 1938). Tocou com várias bandas daquela cidade antes de se impor (1914) como o melhor cornetista.
Quando King Oliver se mudou para Chicago (1920), a sua fama era tanta que o levou a tocar em duas orquestras diferentes na mesma noite (das 21.30 às 00.30 e da 1 às 4 da manhã). Aí fundou a Creole Jazz Band, um grupo notável cujas gravações de 1923 assinalam, segundo os historiadores, a passagem do jazz da sua "pré-história" à história. Trata-se de peças que ainda impressionam mostrando o melhor da escola de Nova Orleães no campo da improvisação de conjunto.
Ironicamente, o segundo cornetista (o seu protegido Louis Armstrong) em breve mudaria o jazz para sempre com os seus solos improvisados. Em 1924, Armstrong e outros abandonaram a Creole Jazz Band, o que a desfez por completo.
Oliver pegou, então, numa outra formação já existente mudando-lhe o nome para The Dixie Syncopators. Com estes elementos realizou novas gravações (entre as quais a de "Snag It").
Contudo, o seu conservadorismo musical e a inaptidão para os negócios levaram-no a tomar decisões erradas quando foi para Nova Iorque (1927). Inclusive recusou uma proposta para tocar regularmente no famosíssimo Cotton Club.
Além disso, os problemas nos dentes (causados em parte pelas predilectas sandes de açúcar da sua infância) provocaram dores gradualmente maiores enquanto tocava a corneta. Assim, nos últimos registos gravados (1929-1931), a sua presença é residual embora sejam grandes exemplos de boa música dançável.
Os discos que ficaram estão quase sempre mal gravados. Percepciona-se aí apenas uma sombra da mestria de Oliver, capaz de arrancar à corneta, sobretudo com a surdina, uma vasta variedade de sons.
Posta mandada com base no livro Os Caminhos do Jazz, Guido Boffi, Edições 70 e nos sítios www.allmusic.com e www.youtube.com
Há precisamente uma semana fui ver o filme Choke (Asfixia) do realizador Clark Gregg. Era um trabalho classificado como indie, adaptado de um romance do mesmo autor de Fight Club e bem recebido no reputado Festival de Sundance. Além disso, li uma crítica no imdb que aguçou o apetite. Portanto, parecia haver todos os pré-requisitos para sair do cinema satisfeito. Engano! Fora os bons desempenhos das actrizes Anjelica Huston e Kelly Macdonald, ver o filme foi uma grande decepção. A história é fraca e dispersa e substima as personagens masculinas, viciadas em sexo, de forma que mais parecem protagonistas de um filme para adolescentes na puberdade. A melhor cena do actor principal, Sam Rockwell, é a da asfixia e embora faça o título não passa de um acessório no enredo.
Para compensar, na quarta-feira fui ver um blockbuster convencional que, pasme-se, é bem mais do que isso. Ou, pelo menos, está muito bem feito. Adorei ver Duplicity, de Tony Gilroy, porque foi divertido do princípio ao fim graças a uma história de espionagem comercial levada ao limite e a um humor providenciado pela qualidade dos diálogos e do elenco. Este, é preciso dizer, é de luxo: Julia Roberts, Clive Owen, Paul Giamatti, Tom Wilkinson, etc. Todos eles, mesmo os secundários, estão impecáveis mas sobretudo o par romântico é indiscutivelmente atraente e transmite uma química entre eles difícil de atingir na tela. Julia Roberts, mais madura mais bela, ilumina a sala e Clive Owen, mais apelativo em Closer do que aqui, faz bem o papel de macho latino que julga que controla a situação mas acaba sempre por seguir os passos e ser dominado pelo temperamento da amante. Cinco estrelas para o filme e também para os créditos de abertura (uma briga em slowmotion entre dois grandes da indústria dermatológica).
Ontem, sábado, vi outro filme realmente blockbuster que, mesmo assim, é melhor do que Choke. Foi He's Just Not That Into You, de Ken Kwapis, com uma longa lista de actores, uns mais conhecidos do que outros, cuja representação está nivelada entre todos numa qualidade acima da média do género Comédia romântica. Tem um argumento linear e conciso e, apesar de todos os chavões que não faltaram, revelou-se um bom entretenimento, com ideias inteligentes e humor sem ser idiota, para ver bem acompanhado.